No interior do Brasil algumas comunidades sobrevivem da venda de peças de artesanato feitas com hastes do capim-dourado, uma sempre-viva que cresce naturalmente nos campos úmidos do Cerrado brasileiro(Syngonanthus nitens). Para obtenção contínua do capim-dourado as populações locais tradicionalmente fazem o manejo controlado do fogo a cada dois anos para favorecer a floração do capim-dourado. A queimada controlada destrói toda a vegetação madura, mas o capim-dourado por ser resistente ao fogo renasce e ocupa os campos.

As comunidades locais que usam o fogo para o manejo do capim-dourado o fazem por conhecimento da natureza cíclica das florestas, que no início são repletas de formações rasteiras que com igual acesso à luz e água crescem em variedade. Conforme a floresta amadurece, a variedade de vegetação diminui porque árvores maiores restringem o acesso de outras vegetações à luz e água.  Por fim a floresta madura fica homogênea e quando as árvores envelhecem viram combustível natural para o fogo que destrói a floresta madura para um processo de renascimento. Assim as florestas se renovam em ciclos.

Exatamente como acontece na natureza, as organizações em que trabalhamos também seguem uma evolução cíclica. No livro The New Ecology of Leadership”, David K. Hurst nos propõe um modelo mental que permite entender essa natureza cíclica e dinâmica das organizações em analogia à dinâmica da natureza. O modelo mental se chama Ecocycle.

Vou descrever brevemente a idéia do Ecocycle para a aguçar sua curiosidade e atrair sua atenção para proposta de reflexão desse post, mas vale sua leitura do livro do David K. Hurst para o completo entendimento da aplicação desse modelo mental no seu contexto particular.

O Ecocycle aplicado às organizações nos permite visualizar três fases de desenvolvimento organizacional.

A fase das relações de confiança é a fase inicial do negócio, onde a estrutura organizacional é mais informal, os processos estão sendo criados e os colaboradores se envolvem numa execução multifuncional de suas atividades.

Conforme o negócio evolui, a organização entra na fase da lógica em que as escalas são maiores, demandam mais especialização na execução de atividades, há um incremento dos sistemas operacionais e um crescimento da abstração com a introdução de reportes e análises de extrapolação necessárias para o gerenciamento de maior volume de negócios.

A fase do poder é o momento em que a organização já está bem madura e sólida, mais burocrática e repleta de controles.

 “Nada falha como o sucesso porque nós não aprendemos com ele. Nós aprendemos apenas quando falhamos” Kenneth Boulding

No auge do sucesso das organizações dois caminhos podem ser trilhados. Crise e confusão podem levar ao declínio da organização, que por cair na armadilha da estabilidade vai precisar trilhar um caminho de renascimento.

Uma outra alternativa é fugir da armadinha da estabilidade e ficar no que David K. Hurst denomina de “Sweet Zone” que é uma zona de equilíbrio dinâmico onde as organizações investem equilibradamente em inovação e também na exploração de seus recursos já adquiridos.

Manter-se na “Sweet Zone” não é tarefa simples. A manutenção desse equilíbrio dinâmico demanda especial esforço organizacional para manter um balanço de forças entre estrutura de poderes hierárquicos, sistemas operacionais, gestão focada no desenvolvimento de pessoas e cultura organizacional.

Feita a breve descrição do Ecocycle e sua aplicação às organizações, gostaria de convidá-lo a olhar esse modelo dinâmico com outro foco, a jornada profissional de cada um de nós.

Você deve ter percebido o formato do símbolo do infinito que nos remete à ideia de ciclos que se repetem e evoluem infinitamente. Nessa perspectiva, te convido a fazer algumas analogias.

A fase dos relacionamentos de confiança é o começo de carreira, quando colocamos uma energia criativa em variados projetos e nos permitimos experimentar diferentes atividades dentro de nossa área profissional.

Na analogia com a floresta, esse é o momento em que os campos estão abertos e há uma grande variedade de vegetação. Nas nossas carreiras os variados projetos em que nos lançamos representam as  muitas oportunidades de aprendizado e inovação. Nessa fase não temos muito medo de errar nas escolhas pois temos uma vida profissional longa ainda a ser trilhada.

A fase da lógica é o momento da jornada profissional em que encontramos a atividade de trabalho onde nossas competências parecem se encaixar perfeitamente. É o momento de carreira que para muitos vem com novas posições e responsabilidades, promoções de cargo, MBAs e especializações. É um momento de significativo crescimento profissional.

Após essa fase ascendente, como na natureza, vem o auge do sucesso de carreira que em algumas casos pode acabar numa armadilha da estabilidade. Nesse caso, depois do sucesso vem o declínio que muitas vezes demanda um esforço não planejado de renascimento.

No começo do post eu mencionei o capim-dourado que pelo manejo de fogo é renovado em ciclos. Usando a analogia da natureza, acredito que nossas jornadas profissionais são também como o capim-dourado e precisam de renovação periódica. Inovação e aprendizado precisam acontecer em ciclos para que como profissionais estejamos sempre na “Sweet Zone” equilibrando o investimento em nossas competências já adquiridas, mas também gerando espaço para o aprendizado e novas experiências.

Numa analogia com as queimadas planejadas do capim-dourado, nossas carreiras de tempo em tempo precisam de um fogo controlado. É o momento em que silenciamos os hábitos bem sucedidos do passado para dar espaço a novos hábitos que nos ajudarão a continuar numa jornada profissional bem sucedida com as inovações necessárias para construir o futuro.

O que chamo de fogo controlado pode ser um projeto de transição planejada de carreira, o investimento em um novo negócio, o desenvolvimento de habilidades em novas áreas de conhecimento e muitos outros projetos que permitem que a inovação seja incorporada aos nossos conhecimentos e experiência adquirida.

Caro leitor, como você tem criado espaço de inovação em sua carreira? Comente conosco .

Hurst, David K., 2012, The New Ecology of Leadership: Business Mastery in a Chaotic World, ISBN 978-0-231-15970-8, Columbia University Press

Agradecimentos especiais a Dra Leslie Breitner que gentilmente fez a revisão desse post. 

Crédito da foto de Ilustração do post – liwidera on VisualHunt