Ao observar os esforços de líderes ao redor do mundo buscando o engajamento de populações inteiras na prática do distanciamento físico ou social para achatar a curva da propagação do corona vírus, percebi que esse é um desafio que provavelmente soa familiar a muitos gestores que trabalham no gerenciamento de crise ou na implementação de mudança nas organizações. Nesse post, gostaria de convidá-lo a refletir sobre porque é difícil abraçar a mudança e compartilhar algumas reflexões sobre alguns aspectos do comportamento humano que levam ao desengajamento ou à uma postura de resistência à mudança, mesmo com comunicação massiva e incentivos para a adoção da solução desejável.
1. Tentativa de afastar a Ansiedade
“… o hábito é um dos meios pelos quais evitamos a ambiguidade e a ansiedade. Simplesmente reflita sobre o quão irritado, ou seja, quão ansioso você se sente quando seus hábitos, suas rotinas diárias e suas expectativas convencionais são interrompidas”. James Hollis
Não é fácil se sentir confortável numa situação de incertezas, porque a incerteza gera ansiedade que, de acordo com a descrição de James Hollis é algo , “… flutuante, desapegado, não muito diferente daquela neblina que nubla a estrada em que estamos dirigindo… a ansiedade é ambígua e paralisante … ”
Nós criamos hábitos para evitar a ansiedade e quando precisamos enfrentar um situação que requer mudança de comportamento, somos obrigados a lidar com a ansiedade que propositalmente queremos evitar. Nesse contexto, qualquer disrupção imposta em nossas vidas diárias tem o potencial de diminuir nosso limiar de controle emocional e nos deixar menos objetivos ao lidar com os desafios propostos. Este é provavelmente um dos motivos pelos quais resistimos e às vezes lutamos contra a mudança.
Vivendo em um momento em que o mundo enfrenta uma pandemia, somos obrigados a engajar em uma enorme mudança em nossos hábitos e comportamentos, por isso estamos experimentando um sentimento coletivo de ansiedade que está diminuindo nosso limiar emocional e estimulando comportamentos impulsivos e vícios que agem como mecanismos para gerenciar a ansiedade.
Para lidar com essa ansiedade, é importante refletir e conversar sobre os sentimentos que estão desencadeando os comportamentos impulsivos e, ao fazer isso, podemos trazer nosso limiar emocional aos níveis normais e enfrentar a mudança mais facilmente. Pessoas que passaram por situações de muito estresse emocional relatam que conseguiram lidar com a ansiedade, vivendo um dia de cada vez e procurando os aspectos positivos da experiência para manter sua saúde mental.
2. Agendas individuais
Diante de uma situação de mudança, cada um de nós é impactado pela disrupção de uma maneira diferente. Assim, em uma tentativa de lidar com a ansiedade que vem com a alteração em nossas rotinas, tentamos entender o que está acontecendo para esboçar uma reação. Aliado ao fato de que somos afetados pela mudança de maneiras diferentes, nossos preconceitos acabam por interferir na interpretação da situação, estimulando comportamentos reflexivos em resposta ao impacto da perturbação no nível individual.
“O que sai da nossa boca e o nosso comportamento em uma conversa está profundamente ligado ao que está acontecendo dentro de nossa cabeça. Não podemos ser adequadamente humildes se interpretarmos mal ou julgarmos equivocadamente a situação em que estamos e o que é apropriado nessa situação. Nós devemos tomar consciência de que nossa mente é capaz de produzir preconceitos, distorções perceptivas e impulsos inapropriados “. Edgar H. Schein
Refletindo sobre o atual desafio que as comunidades ao redor do mundo estão enfrentando para derrotar o corona vírus, parece que várias comunidades estão divididas em pequenos grupos, unidos por percepções individuais semelhantes. Estes grupos tendem a enquadrar o problema social com base no aspecto que está causando uma maior impacto e medo no nível individual.
Alguns grupos de pessoas profundamente afetadas financeiramente tendem a procurar desesperadamente por uma alternativa para evitar a paralização das economias. Por outro lado, aqueles que têm idosos vivendo na mesma casa rejeitam fortemente a idéia da paralização parcial da economia que manteria apenas os grupos de alto risco isolados.
Parece que a batalha das agendas individuais torna mais difícil o entendimento da natureza social do problema e a percepção de que poder de destruição do corona vírus reside no fato de que ele desintegra nosso sistema social. Portanto, a única maneira de preservar o bem-estar individual é deixar de lado nossas agendas individuais e focar nos objetivos coletivos.
As agendas individuais são legítimas, mas como estamos enfrentando um desafio social, é crucial engajar a todos numa mesma estratégia que priorize as objetivos coletivos, ou ficaremos travados com uma epidemia ativa por longo tempo se diferentes grupos da comunidade estiverem agindo em direções opostas. Portanto, um processo bem sucedido de engajamento requer uma visão clara do futuro que precisa ser consistentemente comunicada de diferentes formas para conectar diferentes públicos.
3. Falta de visão
“… os líderes devem “aterrissar” e deixar a sede para integrar a linha de frente … reengajar a percepção das pessoas, retomando a leitura dos fatos do que está acontecendo … Eles também devem deixar para trás mapas, modelos e linguagem formal e substituí-los por metáforas – visões e imagens – valores e a linguagem do comprometimento – ação e comunicação clara “. David K. Hurst
A falta de uma visão é uma das razões para o baixo engajamento com a mudança, mas as pessoas se envolvem se estiverem motivadas por uma visão clara de melhoria para elas, suas famílias, amigos e comunidades. Portanto, no gerenciamento de crise, os líderes precisam jogar seu melhor jogo. David K. Hurst menciona que a tarefa dos líderes é criar uma visão compartilhada, um desejo comum entre as pessoas que frequentemente estão confusas e assustadas. A liderança precisa contar uma história que envolva as pessoas e faça com que elas sintam que podem agir individualmente e fazer a diferença coletivamente. Especialmente se o desafio for difícil, a visão e a narrativa precisam ser claras e autênticas.
Refletindo sobre o atual desafio social, o sucesso no engajamento da população com a estratégia de mitigação de vírus exige, acima de tudo, consistência nas mensagens vindas da liderança, porque as mídias sociais podem amplificar tanto as mensagens e sentimentos que podem reforçar a visão compartilhada ou criar muito barulho alimentando o medo, a raiva e o desengajamento.
Hollis, James, Finding Meaning in the Second Half of Life, ISBN 9781101216699, Gotham Books, (2006)
Schein, Edgar H, Humble Inquiry: The Gentle Art of Asking Instead of Telling, ISBN978-1-60994-981-5, Berrett-Koehler Publishers, Inc., (2013).
Hurst, David K., “The New Ecology of Leadership: Business Mastery in a Chaotic World”, ISBN 978-0-231-15970-8, Columbia University Press, (2012).
Photo credit: gcouros on Visual hunt / CC BY-NC-SA